Heróis da cidade

Dez anos depois, o silêncio foi devolvido ao bairro PER 11. Nas ruas sombreadas pelos prédios de vários andares, os carros estão estacionados e duas crianças correm com cautela, quase em bicos de pé, à volta das redes de um campo de futebol fechado. O mais alto sinal sonoro neste bairro na freguesia de Santa Clara está a latir numa varanda do segundo andar.

O que existe são apenas sussurros na rua, todos eles familiares a Mauro Wah, 42 anos. A mesma falta de barulho serviu-lhe de motivação, há dez anos, quando decidiu trazer os mais pequenos cá para fora e mudar a vida do bairro. Nessa altura, as ruas estavam caladas pela amargura de uma vida que a comunidade recomeçou aqui, depois de terem abandonado as suas barracas de lata, madeira ou tijolo burro espalhadas pela cidade.

Desta vez, foi uma pandemia que devolveu o silêncio ao bairro. E com ela, chegou uma velha inimiga: a fome.

E o alarme soou na voz pequenina de uma criança. Mauro esperava os jovens do bairro na sala da associação que criou e onde se preparava para os ajudar a ler e escrever. Sem aviso, ouviu um grito de alerta. “Havia miúdos que diziam que não tinham ido à escola porque a mãe não tinha dinheiro para os levar ou para comprar o lanche.” A pobreza não estranha por estas bandas, mas o elefante estava muito maior.